sexta-feira, 1 de maio de 2015

Do misticismo à modernidade - a reconstrução da Umbanda


Os desafios de uma religião cercada de misticismo e preconceitos que tem o desafio de se reconstruir na descoberta e aplicação de novos valores 

Por Julmara Mendes
Foto Daniel Rebello

O som das palmas e do canto dos hinos misturados ao forte batuque vão aumentando mais e mais, na medida em que as pessoas se aproximam do terreiro. Dentro da casa, construída em estilo bangalô, o som intenso dos atabaques se funde às batidas do coração de quem sente aquele medo peculiar ao assistir pela primeira vez um ritual de Umbanda. Talvez isso aconteça por terem uma imagem distorcida da religião, baseadas em preconceitos e misticismos. Vestidos de branco, os médiuns da casa cantam e dançam ao ritmo dos tambores no centro do terreiro, com suas guias coloridas no pescoço e uma espécie de cinto vermelho amarrado na cintura, de acordo com o seu Orixá (Deus africano, ligado a elementos da natureza). O ambiente é claro e paira no ar o cheiro de fumaça dos charutos usados como depuradores de energia, assim como o marafo (cachaça), utilizada para amortecer o médium, a fim de melhorar o domínio da entidade sobre ele. E é sob o comando do pai-de-santo (chefe do terreiro), e dos ávidos olhares da assistência (pessoas acomodadas nas cadeiras), que é dado início aos trabalhos da noite. 

A pedagoga Samia Dornelles, 24 anos, sempre que sente vontade de receber um axé (energia positiva), recorre aos passes (troca de energia entre o médium incorporado e a pessoa), os quais são acessíveis a qualquer um que vá ao Terreiro Pai Maneco. Frequentadora há cerca de sete anos, Samia deixou de ser assistente para tornar-se médium no terreiro. Além de buscar momentos de paz, ela acha que “é uma forma de encontrar o caminho para a caridade, a humildade e a benevolência - preceitos que são aprendidos com as religiões afro-brasileiras.” 


Em meio ao barulho dos tambores e entonações de hinos, os médiuns se abaixam um a um e seguem o ritual do bate cabeça (como reverência a todo o povo da Umbanda). Então, são saudados os Anjos da Guarda e logo depois é feita a saudação aos sete Orixás: Oxalá, Ogum, Iemanjá, Oxum, Xangô, Iansã e Oxossi, bem como às entidades que trabalham na casa. Por fim, é pedida a proteção ao Exu Guardião, da linha Tranca Ruas, e abre-se a gira oficialmente com o Pai Nosso. Depois da saudação do pai-de-cabeça de cada membro, o Caboclo Akuan, que comanda a gira de Ogum é chamado. Todas as giras são abertas e trabalham na primeira parte os Oguns. Somente depois disso que a linha que vai trabalhar na noite é chamada, pois a partir daí que são realizadas as consultas e feito o atendimento ao público. É o momento mais esperado pela assistência. 

Sentado na terceira fileira encontra-se J.C., 59 anos, servidor público, aguarda pacientemente pela sua vez de ser atendido. Elegante, nota-se que tem modos finos pela forma com a qual ele se veste e pela maneira de agir e falar. Em tom baixo e respeitoso, o homem atende prontamente à minha solicitação de entrevista, mas me pede a gentileza de não escrever o seu nome, pois a namorada é católica e o irmão, evangélico. Ambos não sabem que ele está ali e ele não quer entrar em atritos ou discussões, desnecessários. J.C. está no Terreiro Pai Maneco pela primeira vez, embora costume visitar outras casas, quando sente que está “carregado”. Há alguns anos participou como membro em outro terreiro, mas por motivos familiares e de distância teve que se afastar: “Minha família não gosta dessas coisas e, infelizmente, percebe-se que é por pura ignorância. Se ao menos se dessem ao trabalho de vir aqui, com certeza iriam mudar seus conceitos e perderiam esse medo infundado.” Ao lado dele está Nádia Porres Lopes, 45 anos, empresária, que também concorda: “Também passo por isso, mas não ligo. Há cinco anos frequento este lugar e me sinto muito bem. Uma amiga que me trouxe. Mas, nunca tive a pretensão de querer participar ativamente, pois para mim o importante é sentir a energia boa que tem aqui.” A expressão meiga de Nádia demonstra o quanto ela se sente bem no terreiro. Não saem palavras de sua boca que não sejam acompanhados de um sorriso largo e repleto de paz. Os dois seguem conversando de forma animada, enquanto aguardam serem chamados para a consulta.

Os vários rituais, os hinos cantados, o som dos atabaques, a postura dos médiuns e dos cambones (auxiliares dos médiuns nas consultas), a decoração, os cheiros dos perfumes das Ciganas e Pomba Giras... Esse conjunto de coisas fazem do ambiente um lugar aconchegante, com uma energia boa que transmite paz. Talvez Cora Coralina tenha feito o poema “Todas as vidas” depois de se inspirar num terreiro, pela forma como escreve esse trecho, logo no começo: “Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando para o fogo. Benze quebranto. Bota feitiço… Ogum. Orixá. Macumba, terreiro. Ogã, pai-de-santo…” E segue a noite, entre fumaças, cantos e batuques.

Um comentário:

  1. Olha Maura, o seu texto diz que o médium precisa ser "amortecido" com cachaça, acho que você precisa ir mais vezes no TPM, fui médium do Pai Maneco por quase quatro anos e as entidades que trabalham comigo nunca beberam cachaça, ela era usada para o trabalho no "ponto" apenas.

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