terça-feira, 28 de abril de 2015

No batuque de um Preto Velho



A vivência de uma gira de umbanda

Por Marcio Sakyo Poffo Taniguti 

A única árvore da esquina, do lado direto, indica sua idade. As raízes já começaram a quebrar a calçada. O portão de ferro de meio metro mostra que nunca foi trocado. O menor sinal do portão se abrindo chama a atenção do Negão, como é chamado. Um vira-lata preto, de porte médio, é que vem receber a todos que lá chegam. Do lado esquerdo há uma roseira cobrindo o cercado de arame, a qual separa o pequeno jardim do pátio. Pendurado no muro azul desbotado, há 15 vasos com pequenas plantas. No centro do jardim há uma fonte, onde algum dia havia água. Já a casa é marrom, com uma faixa bege claro, recém pintada, diferente do muro, que há tempos não recebe uma tinta.

Graziele Ferreira, 36 anos, atuante há dois anos no Guerreiros de Oxalá, uma das pessoas que trabalha lá e recebe a guia Maria Padilha, contou sobre a experiência que a levou a participar do terreiro. “Eu vim com uma amiga e o guia me falou que precisava trabalhar comigo e que este trabalho exigia meu retorno àquele terreiro mais duas vezes. Então daquele dia em diante eu comecei a pesquisar mais sobre a Umbanda e isso me deixou mais apaixonada pelo tema. Resolvi que era o momento de começar a seguir esta filosofia. Não que não existam outras religiões com seus sentidos, mas no caminho que eu percorri, este sentido eu encontrei na Umbanda. Então, para mim, a Umbanda é o meu caminho, na Umbanda tenho minha fé em Deus e trabalho meu desenvolvimento como ser divino”.


Assistência e caridade

Ao entrar na casa, ou terreiro, como é chamado, a primeira coisa que chama a atenção é um quadro do Preto Velho. Na mão esquerda, segura seu cachimbo; na direita a bengala. Os cabelos e barba brancos. Na assistência do terreiro, entre homens, mulheres, jovens e casais, de todas as classes sociais, vinte e duas pessoas ocupavam os bancos de madeira e as cadeiras brancas de plástico.

Às 20 horas todos os filhos da casa são posicionados em círculo. Os rapazes de branco com sua filá na cabeça; as moças, também vestidas de branco, com seus ojás na cabeça, suas guias e suas saias rodadas. O Pai de Santo Jaci Oliveira, usando a filá dourada, se aproxima dos presentes e fala como será a gira:

— No primeiro momento serão dados os passes. Às 21h30, há um intervalo. Às 22 horas retornamos para quem quiser fazer consultas com os guias da casa. 

Todos posicionados. O Pai Jaci vai à frente do altar e o batuque começa. Os filhos começam a cantar os pontos e agradecem aos seus orixás a proteção deste trabalho.

Nesse momento um dos guias começa a fazer a defumação dos filhos da casa. Ao terminar, ele se aproxima da assistência para incensar os participantes desta gira. Em seguida, caminha para o lado externo da casa e coloca o incenso do lado esquerdo da porta. Nesse momento, o Negão aproveita para entrar e deita bem em frente à porta de vidro.

Todos sentam e esperam o começo da gira de Caboclos para os passes da assistência. Muitos destes Caboclos estão com suas guias coloridas no pescoço, alguns usam apenas 3 e outros usam 7, representando as 7 linhas da Umbanda.

— Meus filhos! Quero que saibam que neste terreiro o Exu limpa e protege e Oxalá levará todo o mal daqui — comenta o Pai do terreiro, Jaci.

No intervalo, das giras veio até mim José Dantas, que estava me olhando a todo o momento na primeira gira dos passes. Contou-me que tem 53 anos, que é cabeleireiro e tem uma filha de 18 anos. Sempre foi muito católico e procurava dentro do catolicismo uma maneira de poder se livrar do vício do álcool, que estava destruindo sua vida. “Eu era alcoólatra mesmo, bebia sim, todos os dias”. Mas com o passar do tempo percebeu que onde estava não achava a cura que há tanto tempo estava procurando. Foi então que há 4 anos largou o catolicismo e, pela primeira vez, entrou no centro de Umbanda Guerreiros de Oxalá. “Aí fiquei. Vi que a filosofia é muito diferente do catolicismo, me encontrei, consegui me identificar. E o melhor de tudo: consegui largar o maldito vício do álcool.”

Na volta do intervalo, as pessoas foram chamadas pelo Pai da casa para entrarem no círculo. O Preto Velho (entidade maior dentro do terreiro), me chamou para entrar junto com a minha mãe. Nós fomos lá e ele pediu para ficarmos de frente com ele. Ao observá-lo, ele não parava de sorrir pra mim até que ele me disse:

— Que bom você veio aqui! Você trouxe a paz pra dentro da casa, é um ser iluminado.

Ele me olhava e sorria. Eu não entendi muito bem o que ele queria, porque ele ficava fazendo um som estranho, como se tivesse rindo e falando ao mesmo tempo. Preto Velho pegou uma guiné e amassou na sua mão junto com um giz e jogou em cima de mim e nas minhas pernas. 

Logo após, ele pegou o resto do giz e fez um sinal da cruz nas minhas pernas e em minhas mãos e começou a me benzer com um galho de guiné e depois colocou sua bengala em meu ombro fazendo sinal da cruz. 

Aí ele olhou para a minha mãe e perguntou a ela:

— Filha, o que está acontecendo?

— Estou me sentindo muito cansada, parece que tem algo que anda me incomodando tanto nessa vida. — diz ela ao Preto Velho.

— Todo sofrimento nos engrandece, tudo tem uma razão de ser. Olha este menino, ele é a sua maior alegria, ele que te fortalece a cada dia. Olhe o sorriso, o olhar, ele é a sua vida. Se você foi escolhida é porque esta é a sua missão de vida.

Preto Velho benzeu minha mãe e beijou a testa dela. Então ele disse:

— Vão em paz, meus filhos, e voltem sempre. E você, filha, traga mais vezes seu filho aqui.

Ao sairmos da gira vem um guia se arrastando pelo chão e para ao meu lado, vira o rosto estampando um sorriso em seu semblante e diz calmamente: 

— Toma um doce pra você.

Minha mãe a olha e diz:

— Ele não consegue pegar!

— Então dê você a ele esta bala.

Minha mãe me deu a bala e ela me deixou mais calmo. Eu observei o guia, que voltou de onde veio todo feliz e contente. 

Neusa Gonzaga, 22 anos, foi pela primeira vez no terreiro Guerreiros de Oxalá. Ela olhava tudo que estava a sua volta. “É a minha primeira vez aqui. Eu fiquei bem impressionada com os Santos e as guias. Essas roupas brancas, cada detalhe delas me chamavam bastante atenção”. Ao perguntar se ela iria voltar, e me disse: “provavelmente eu volte e comece a pesquisar um pouco mais sobre o mundo da Umbanda e do Espiritismo”. Nos despedimos com um até logo.

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